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Michiko - capítulo II

Onda azul.

E, de novo, encontrava-se sozinha no mundo.

As pernas de Michiko estavam moles e caiu sentada no chão, para em seguida se arrastar até a calçada. O pavor comeu suas forças, só que não era bom abusar da sorte. O que queria mesmo era ir no benjo e atender a repentina vontade da bexiga, só que atravessar a avenida estava totalmente fora de cogitação.

Bom, prioridades.

EI, MENINA!

- Preciso ir no banheiro!! - fala alto em direção a voz, sem gritar. E em vez de ir para a torre, seguia para casa, sem pensar muito no absurdo da situação como um todo, e repentinamente estancou e pulou para trás: tem algo errado.

Havia algo transparente na sua frente, pulsando devagar, hipnotizante. Será que a voz...

SAI DAÍ!!

Não, não era. Jogou a vassoura em cima e fugiu para a direção contrária. Um estalo como de chicote quase alcançou suas costas e, do seu lado, torrões de terra com grama seca explodem. Michiko corria o máximo que conseguia sem tropeçar e, apesar de estar quase do lado de um dos pés da torre, seguia para o campo mais aberto possível - na esperança de conseguir mais velocidade - quando sua testa bateu com força em algo borrachoso e ela caiu no chão.

Havia mais de um.

Zonza, e forçando o olhar, contava três, dois deles acima dela. Algo gotejou e fez o barulho de ácido queimando ao molhar a grama. Sem muita alternativa, pegou um tanto de terra e jogou para o alto, quem sabe acerta qualquer um, estava aceitando qualquer ideia do que fazer no momento.

Uma rajada passou por cima e atinge um deles, a garota só ouviu o barulho de bola de vôlei sendo rebatida e mandada para longe, seguido de outras duas rajadas. Uns quinze metros longe dela, viu três seres esféricos e escuros como sombras se levantarem para o ar.

Deviam ter mais da metade de sua altura de diâmetro e eram diferentes entre si: um era praticamente coberto de pelos que se moviam como chicotes, exceto em sua face alienígena, feroz, de aspecto leonino de longos dentes que pingavam ácido, e em suas laterais, que eram protegidas por quatro asas emplumadas. Estas não estavam grudadas ao corpo esférico, mas giravam em torno dele todas igualmente separadas entre si. O outro ser também tinha faces felinas, mas eram seis em torno do corpo que não parava de girar aleatoriamente e era pintada como uma onça. De sua pelagem surgiam oitos asinhas, como se fazendo as quinas de um cubo.

Mais afastada, a terceira criatura era mais escura, com uma cara que lembrava a de um urso, sem asa alguma, mas ainda assim flutuava ameaçadoramente. Estava entretido com as costelas de algum animal que abatera... Michiko não quis pensar muito a respeito. Além do perigo imediato, havia algo incômodo ao sentido nestes seres, como se diversos anéis douradas girassem em torno deles, num ritmo irreal em que às vezes eram dois, às vezes bem mais de dois. Se focasse o olhar neles, não saberia dizer se estavam chegando ou se afastando, ou se existiam. Mas, para sorte dela, aquilo era apavorante demais para ser encarado, e com o olhar desviado, a certeza era de que estavam chegando, mais rápido do que ela era capaz de se levantar e voltar a correr.

PEGA ISSO!!!

Algo é jogado da torre e cai ao seu lado, parecia um amuleto metálico, um círculo com um retângulo inscrito nele. Não prestou atenção, pegou e já ia atirar contra a ameaça mais próxima.

NÃO, NÃO FAZ ISSO!

- Quê?

CORAÇÃO ÍGNEO, PROTEJA-A!

- Quem?

O amuleto se moveu puxando sua mão. Um círculo com escritos e elementos geométricos surgiu em torno dele e uma nova sequência de rajadas aconteceu, jogando aqueles sei-lá-o-quê para mais longe que da outra vez.

- Uau! :D

CORRE PARA CÁ!

Não se mexe em time que está dando certo, obedeceu com o amuleto na mão, ainda admirada do que fez e vai para debaixo da Torre de Tóquio, ora vigiando os problemas cada vez menos distantes, ora procurando em vão a origem da voz.

MOÇA, QUAL TEU NOME? VOCÊ TEM MAGIA?

- Hã?.. Michiko. Não sei, acho que não...

CORAÇÃO ÍGNEO? ELA POSSUI MAGIA?

- Positivo, mestre. - o amuleto respondeu à voz vinda de algum canto do alto da estrutura. É uma voz feminina, com tom amigável, digna de informar que as definições do antivírus foram atualizadas.

- I-isso... fala?

CORAÇÃO ÍGNEO, ESSA É MICHIKO, SUA NOVA PORTADORA.

- Positivo. Registrado.

A ORIENTE COMO USAR A PRÓPRIA MAGIA PARA CAPTURAR OS FUGITIVOS. VOU TENTAR MANTER A CONTENÇÃO ENQUANTO PUDER.

- O que tá acontecendo?

- Positivo. Registrado. Mestra, você não tem noções de magia ou de combate mágico, correto?

- N-não.

- ESCUDAR!! - a voz no alto responde automaticamente e uma semi-esfera de energia surge em torno de Michiko, a protegendo de um ataque dos chicotes leoninos.

- Ai!

- Mestra, nessa forma que estamos, não conseguiremos resolver esse embate a contento. Posso te providenciar equipamento mais adequado?

- T-tá.


Quando permitiu, quase que sem pensar, não esperava a eletricidade que passou por toda sua pele, a arrepiando. Nem a gostosa onda de calor que veio em seguida. Fechou os olhos por instinto, mas, curiosa, os abriu em seguida: seu corpo estava envolto em luz, sua roupa estava se transformando de malha de uniforme escolar para finíssimas camadas de magia tecidas por séculos de conhecimento sedimentado em outro mundo. Sentiu-se sendo gentilmente girada no ar diversas vezes, circuitos de luz fizeram sigilos em cada peça de tecido e material mágico criado, costurando tudo até o arremate final.

Para Michiko, foi uma eternidade desde o princípio até a hora que ela voltou elegantemente ao chão, sem toca-lo.


A primeira coisa que notou é que tinha um bastão prateado em mãos, quase que da sua altura e com um grande cristal esférico em sua ponta. Neste, o que pareciam ser um fluxo de letras de alfabetos que ela não conhecia surgiam como brilhos e passeavam na sua superfície, incessantemente. Suas roupas também era outras, estava de saias, meias bem altas... estava praticamente coberta de panos, menos a cabeça. Mas até laços seus curtos cabelos tinham.

Flutuando à sua frente havia um livro pouco maior que sua mão aberta, com duas páginas à mostra e nelas textos ilegíveis e figuras corriam para todas as direções, num movimento quase que hipnótico.

Além de tudo, percebeu que atrás de seus ombros haviam pelo menos um par de asinhas brancas.

- ...Quê??

Se sentia... ciente, haviam forças nela desde sempre e só agora percebia, e achava que entendia. As criaturas, que antes a atacavam, perceberam que o jogo mudou e fogem.

- Mestra - a voz feminina do amuleto agora saia do cajado - estou preparando o procedimento para a reincorporação das criaturas, só falta você direcionar sua mana, entende?

- Entendo... a-acho - apontou o cajado, grita - READIR! - e três pesadas gotas de luz caem do cajado, percorrem o chão feito busca-pés até ficarem embaixo de seus alvos, se jogarem neles, fazendo-os se tornar luz também e então sumir.

Então, Michiko viu os seres virarem ilustrações em seu livro e serem tragados no constante fluxo de texto que emanava em suas páginas.

Foi rápido, o perigo se fora. Levantou o olhar para a estrutura acima dela e riu.

- Passei debaixo da Torre de Tóquio vestida com um uniforme do colégio e o que aconteceu? Virei uma garota mágica, claro!

E então, algo cai à sua frente. Ou, alguém, que logo flutuou do chão até a altura de seu rosto.

- Ah, então foi você que atendeu meu chamado?

Michiko se encantou: era como um animal de pelúcia vivo, bem esquisito, mas ainda assim fofo, algo tipo um coala albino com chifres de cordeiro, asas de beija-flor e diversos olhos de íris vermelha pelo corpo - além dos dois usuais no rosto. Ele não ficava quieto e dava diversas voltas felizes em torno da moça, curioso.

- Linda! Perfeita! Poderosa! Absoluta! E nem precisou de mim para explicar como usar seus poderes, fantástico!

E ele não parava no lugar, parecia um elétron em torno do núcleo, elétrico igual, até que, em certa altura parou próximo do cristal do cajado e olhou firme (dentro do que é possível para dois olhinhos que pareciam botões) para Michiko:

- Essa joia que te dei te ajudou a liberar todo seu potencial, só que isso é só a pontinha do iceberg.

- Hã?

Ele se aproximou.

- Você pode muito, menina, mas para ter todo o poder, você tem de fazer... - os olhinhos de fecham num risquinho, dá um suspiro vindo do fundo da alma e - um contrato comigo.

- E-eu...

- Poder ilimitado, para conquistar o mundo, ou para salvar alguém querido. Ou curar o coração...

- Eu acho que...

- Seja rápida, menina - a voz de pelúcia reforça a urgência - A janela da posição das estrelas do céu está se fechando e se você não decidir, vai perder até esse pouco que tem.

- E-eu, não sei...

- Menina, o poder que você não precisa agora vai te fazer falta depois - ele chegou bem mais perto do rosto dela, que se assustou e se afasta, deixando o bichinho perto do cristal do cajado... - ah, não!

Michiko percebeu uma sombra crescer por cima deles, e ao mover a cabeça para ver o que é, encontrou uma imensa nuvem de insetos tomando o céu, vindos de todas as direções, convergindo sobre eles. Logo, não havia espaço livre para luz alguma acima e fez-se a escuridão.

- Menina, os gafanhotos vão nos devorar com farofa, faça o contrato antes que seja tarde demais! - ela ouve por entre soluços antes de tomar sua decisão.

Não parecia ser difícil escolher: o mundo se tornara trevas e o céu estava caindo sobre a Torre de Tóquio e, consequentemente, sobre ela e o bichinho de pelúcia vivo ao seu lado. Mas tinha algo errado naquela persistência.

- Nós vamos morrer!! - ele não parava de insistir - P-por favor, faça o contratooo....

- Ninguém vai morrer, e você vai é levar porrada!!


Pelo resto da vida, a garota nunca teve certeza do que aconteceu naquele minuto: só percebera um risco de luz laranja se jogar da Torre até a criatura que se esforçava em induzi-la à aceitar algo que ela não confiava. Mas sem dúvidas de que algo estava vindo do céu, o vento vindo das alturas estava cada vez mais forte,... o instinto a faz ignorar o que acontecia aos seus pés e elevou o cajado para o alto:

- Escudar! - mais uma vez, ela disse sem que a instruam - e uma redoma luminosa surgiu em torno de todos, a tempo de proteger do que parecia ser uma saraivada de balas. Era um ataque contínuo, fazendo pressão crescente sobre o escudo e sua conjuradora. O barulho de metal sendo bombardeado e de flocos de terra sendo jogados pro alto e caindo de volta ao solo era uma constante.

- Michiko! - apareceu ao seu lado outra criaturinha, parecia uma mini-capivara com cara de quem julga a todos, mas com certeza tinha a mesma a voz que a chamava do alto da Torre - reincorpore este farsante antes que ele acorde!

- Q-quem?

- Faça, é ele quem está invocando a chuva infinita de gafanhotos, ele quer te fazer escrava antes de ficar imune à ele!

Michiko não sabia se acreditava ou entendia, mas faria qualquer coisa para se aliviar da pressão que parecia o dedinho de Deus a esmagando contra o solo. E ainda havia aquela outra pressão interna, mas por ora, era só não pensar em água corrente ou chuva ou...

- Readi...ei! - o coala de muitos olhos reapareceu voando por debaixo de sua saia, derrubou do ar a capivarinha e roubou o cajado com Coração Ígneo - volta aqui!

Enquanto ela segurava o bombardeio, a mini-capivara tentou se levantar para revidar o golpe levado, mas não deu tempo:

- Tchau, trouxa - o bicho fofo com chifres deu uma cambalhota no ar e se jogou no chão, sumindo num *bamf!*, largando o cajado no chão e levando consigo a escuridão e o bombardeio de gafanhotos.


Agora só restavam na praça Michiko e o outro animal.

- O-o quê aconteceu? - disse ela olhando o cenário de destruição em torno dela: da Torre de Tóquio só restava praticamente os pés da estrutura que estavam próximos do escudo de Michiko. Toda a praça estava arruinada e mais baixa do que estava antes, quase que uma cratera... olhando além, as edificações próximas não estavam em melhor estado: ruínas para todas as direções que ela olhasse.

Mas não houve resposta: a criatura capivarinha cai e desmaia na sua frente.


Onda vermelha: o mundo voltou a ser o que era antes, revertendo a destruição e o uniforme escolar é novamente a roupa que a vestia. Mas ainda havia um bicho ferido à seus pés.

- Mestra?

E Coração Ígneo a chamava de onde fora deixado, na forma de joia.



[continua...]





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