[capítulo anterior]

Michiko - capítulo VI

O penúltimo pensamento que Michiko fez antes das chamas a atingirem é "ele devia ter vestido bermuda ao menos".

O último foi "não acredito que gastei meu último pensamento com isso".

"Famosas últimas palavras, versão tosca. Por mim, claro".

Logo percebeu que estava criticando ela mesma, é porque estava pensando. E, se estava pensando, era sinal de que talvez estivesse viva.

Talvez.

Céu ou Inferno?

(Não que ela acreditasse realmente que um ou outro existissem, nunca pensou muito a respeito e, de qualquer forma, sempre estava aberta a novos fatos).

Ela estava protelando a abertura dos próprios olhos (a despeito das piadas das amigas, eles abriam).

O.O

"Más notícias, Mi", ela continua pensando, "eu vejo chamas".

Pera.

- Ei, meu quarto está pegando fogo! AAAAaah, minha cama!! Meus livros!!! Meus mangás!!! Meus cadernos!!!!

- Mas você está intacta! - diz uma capivara falante que placidamente a assiste surtar.

- E daí? Meus pais vão me matar assim que virem o que você fez no meu quarto, porque não vão mesmo acreditar que é tudo culpa de uma capivara falante pelada.

- "Pelada"?

- Para de ficar falando e me ajuda... - ela se levanta entre as chamas, ainda perdida, não sabendo o que fazer. Mágica! - faz algo pra arrumar essa porra que você fez!!!

- Lição um:

- ò_ó!

- "O primeiro propósito da magia é a proteção de quem a possui".

- Quê?

- Aposto que faz tempo que você não se machuca seriamente ou fica doente.

Ela decide apagar o fogo na cama batendo o travesseiro em cima das chamas. Foi uma decisão acertada, só que para o ponto de vista das chamas.

- Me ajuda, cazzo!!

- Você não está prestando atenção em mim.

- MINHA CASA TÁ PEGANDO FOGO COM MINHAS COISAS DENTRO, NÃO PERCEBEU??

A capivara faz um estalo (mais tarde, Michiko se lembra disso e não entende como aqueles dedos conseguiram fazer o barulho) e tudo fica avermelhado e, em seguida, o fogo desaparecer junto da destruição.

- Ah?

- Lição dois: "quando acontece um conflito mágico, o ideal é invocar uma 'magia de isolamento'. Ela retira da área todos os seres desprovidos de magia e garante que todos os danos materiais ocorridos na batalha serão revertidos se a mágica for encerrada de forma correta". - Poika cita o texto que evidentemente decorara.

- Ahmmm - Michiko olha em volta e pensa - foi assim que você arrumou a praça da Torre de Tóquio, né?

- Isso. E também tentei usar essa mágica para segurar Virhe e suas interferências... mas... eu cansava e deixei a magia cair umas vezes...

- Então, todos os berros que dei agora, ninguém ouviu?

- Não, aconteceram dentro da magia.

Ufa, não tinha mais que explicar pros vizinhos aquele escândalo todo.

- E... - ela dá uma geral com os olhos, estava tudo como estava antes, sem um chamuscado - não tem chances dessa mágica dar ruim, não?

- Tem, é...

- Mestra - Coração Ígneo informa - há uma flutuação no campo energético, fraca, mas próxima o suficiente para meus sensores.

- Deve ser Virhe. Preparada?

- Hã? Pra quê?

- Ter uma aventura, capturar o fugitivo, talvez uma luta mágica.

- Legal. Vai lá.

- Comassim?? - ele dá um gritinho indignado.

- Poika - ela o chama pelo nome pela primeira vez, séria - faz mais de uma hora que não tenho descanso e nela tive mais emoção que todas as outras da minha vida juntas. Pra mim, já deu.

- Mas você não quer ser uma heroína?

- Eu mal sei se quero ser uma estudante.

- Mas, você não quer afastar todos os monstros de onde você vive?

- Amanhã é sábado, que tal?

- Não é melhor acabar com essa demanda o quanto antes?

- Para mim sextou, amigo. E daqui a pouco meus pais vão chegar, já vou ter um monte para explicar estando aqui, imagina se eu sair e ficar vagando pelo bairro?

- Mestra...

- Oi?

- A flutuação continua e tem a assinatura ondulatória de absorção de energia de outro ser vivo. Se isso indicar que Virhe está absorvendo as forças de uma pessoa, ela corre o risco de morte a qualquer momento, se o processo não for interrompido o quanto antes.

- Isso é sério?

= Sim - Coração Ígneo e Poika, juntos.

Michiko suspira:

- Tem que ser eu?

- Eu não vou conseguir...

- Mestra: Poika, quando te chamou, não tinha forças para desafiar Virhe, só conte-lo por algum tempo. E agora ele está descansado e se recuperando às custas das forças de outra pessoa.

- Tá.... - ela se levanta - ok, vamos acabar com isso logo. Até porque sábado é o dia mais cheio no restaurante.

- E aonde você está indo?

- Pra rua, claro. Vou pegar a bicicleta do meu irmão emprestada. Coração Ígneo, você sabe pra que direção ir?

- Sim, Mestra.

- Michiko...

- Sim?

- EXPUNGIR!! - a capivara solta uma mágica na menina.

- O que você fez??

- É para ninguém sentir sua falta enquanto estiver fora. Aqui tem algum espaço aberto?

- A lavanderia atrás...

- Ótimo. Você se transforma lá e te ensino como voar

- Ah, que legal: pacote completo do intensivão de menina mágica.

- Quê...?

- Nada não.



Uma série de mordidas tenta pegar o nariz da garota, mas a intenção é ora frustrada pelo súbito movimento para trás de Michiko, ora pelo campo energético invisível que a protege, revelado na forma de faíscas compostas de glifos antigos quando um golpe o acerta.

Quando tentou capturar a cigarra hiperdimensionada, Michiko descobriu uma coisa legal e outra chata. A legal era esse campo que a mantinha inteira, apesar da criatura insistir em tirar nacos de seu corpo a dentadas. A chata é que a magia de capturar consumia suas forças à ponto de desligar a bola de energia que a protegia com Poika.

Vagamente pensou na segurança da capivara quando decidiu ir para o alto, se livrar daquela situação chata e

- READIR!

Nova tentativa de captura, que fracassa da mesma forma: a bola energética é rebatida e em seguida o bicho sobe, mas Michiko fecha os olhos e ousa ganhar mais altura.

- Coração Ígneo....

- Sim, Mestra?

- Não me deixa cair, tá?

- Claro, Mestra.

E, ao abrir os olhos, ela até vê o emoticon "^_^" surgir no livro por um instante e seguiu uma dica insinuada por Coração Ígneo em sua mente: sem precisar dizer nada, uma bola de luz sobre sua cabeça. Depois, ela se divide em dois e migram para sua esquerda e direita. Estas soltam uma menor cada que se juntam. Logo, Michiko tem três esferas em torno de si e faz um gesto de como se dispensasse algo com as mãos. E estas se atiram para baixo, talvez auxiliadas pela gravidade, mas certamente não com o mesmo "peso" em sua mente que uma magia de captura, que parecia exigir mais de seu ser.

Uma

duas

as três acertam a criatura, a jogando para baixo. A menina segura com força Coração Ígneo e novos trios de projéteis continuam surgindo e, enfim, encurralando o perigo no chão.

- APRESAR! - Michiko recita outra palavra sussurrada por sua nova melhor amiga e correntes imateriais seguram o alvo, que se debate, forçando a sua concentração - READIR!!

E mais um ser vira ilustração e texto no seu livro antes de desaparecer no fluxo constante e multidirecional de caracteres.


Logo ela está de volta ao chão e encontra Poika a esperando.

- Uau, você foi muito bem!

- Não sei se quero brincar mais disso..

A ilusão de que estavam sozinhos de novo tenta se impor, mas o que acontece é o silêncio e dois pares de olhos vasculhando os céus e os arredores por muitos minutos.

- Algum sinal, Coração Ígneo?

- Não, Mestra.

- Poika... acho melhor eu ir pra casa, né? Já tá escuro e meus pais vão estranhar muito eu não estar lá.

- Já disse que dei um jeito, eles não vão nem perceber.

- É? Como?

- Mágica, claro.

- Ah, tá...

Mais um tempo em silêncio procurando uma ameaça que ela achava que não ia ser besta de aparecer faz sua atenção focar na vizinhança de Alice. Mesmo na penumbra, dava para ver que agora haviam crateras no asfalto, muros desabados, rombos nos telhados e outras intervenções no ambiente.

- Poika... esse estrago todo... fui eu quem fiz?

- Foi. Mas, sem problemas: assim que encerrar a magia de isolamento, tudo volta ao que era antes.

- Espero que sim... mas, tem como dar errado?

- Não tem como. Mas temos de resolver isso logo, manter está me cansando...

- Poika... não é melhor então, sei lá, desligar isso?

A capivara faz um nítido "não" com sua cabeçona.

- E deixar Virhe sair e sugar a energia de outra pessoa como estava fazendo com tua amiga?

- É... mas olha a casa dela como ficou. Não dá pra acreditar que Alice está bem, não sobrou nada e... e-ei!

- Mestra! É nosso alvo!

O coala aparecera, talvez estivesse escondido ali perto. De costas para eles, corre o que pode com suas pernas curtas e se joga para atrás dos entulhos da explosão, sumindo de vista. Michiko se aproxima devagar ao mesmo tempo que eleva seu corpo um, três, cinco metros e, então...

- Ei, diva poderosa e absoluta.

Hã?

Virhe não estava à sua frente, estava atrás dela e sobre Poika - derrubado no chão. Segurava algo que parecia ser um raio que estava ameaçadoramente perto demais do pescoço da capivara.

- Teu amigo tá te enrolando, tem como dar errado sim: se ele desmaiar, ou... coisa pior - ele aproxima o raio mais ainda do bicho falante - todo estrago que aconteceu aqui dentro vai migrar para o mundo real.

Suspensa no ar, Michiko não ousa se mover ou falar, apenas ouve.

- Eu já matei antes e sempre estou preparado para fazer de novo. E você? Está preparada para o funeral da tua amiga que mora aqui?



[continua...]





www.mushi-san.comfale comigo✉

Gostou do meu trabalho?