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Michiko - capítulo VIII

"Eu já matei antes e

sempre estou preparado para fazer de novo.

E você?

Está preparada para o funeral da tua amiga que mora aqui?"


"Mestra.

Há pelo menos

dois seres

se aproximando em grande velocidade.

O nível de poder individual é de pelo menos cento e vinte,

maior que os anteriores."


"Eu diria que

teu bairro

está

empesteado."


Michiko?


"Sextou,

né,

mãe?"


Escuro.

Seu corpo flutuava.

Alguma coisa não estava fazendo sentido.


Michiko!!


Abrir os olhos não fez diferença, ainda estava escuro. Escuro, fedido e quente. Quente a ponto dela sentir o suor grudando debaixo de toda aquela roupa pesada.

Pesada, mas ela se sentia sem peso, no ar.

Desesperou-se por um momento, seus braços e pernas procuravam onde se apoiar, em vão.

O-o que aconteceu?

- Você desmaiou com o choque, Mestra - uma luz pulsava a cada sílaba.

- Oi, Coração Ígneo.

A pequena pedra era seu porto seguro agora.


Aos poucos sua vista se acostumava com o breu, assim como seu cérebro juntava as pecinhas de informação novas com as antigas, que retornavam gradualmente, como ondas indo e voltando na praia.

Ali estava fedido, quente e uma neblina densa reforçava o breu.

Seus olhos ardiam um pouco, logo suas lágrimas se juntariam às onipresentes gotas de suor em sua pele. Qual parte de "o primeiro propósito da magia é a proteção de quem a possui" ela mesma superestimou?

- Desculpe, Mestra, tudo ocorreu de forma extremamente abrupta - e em seguida uma onda de frescor encapsulava a menina.

- Ah, obrigada... mas, o que aconteceu? Onde está Poika?

- Desmaiado.

Não era a voz da capivara, era a outra voz, daquele que a ameaçara tão facilmente quanto a bajulara: Virhe! Mas agora, sua fala tinha um tom concluído, despido de ameaças ou adulação.

E, essa única palavra, somadas às suas implicações cortaram o coração da menina de forma que mágica alguma a protegeria.


"Se ele desmaiar, ou... coisa pior, todo estrago que aconteceu aqui dentro vai migrar para o mundo real."


- Alice!!

Ao se lembrar a amiga e pensar que ela estava morta graças ao bostinha estufado à sua frente, Michiko pega o cajado com o livro e invoca diversas esferas de energia em torno de si. A forte luz alaranjada dos bólidos invocados revela as silhuetas de outros dois dentro da neblina escura, além de diversos destroços.

- Mestra, não.

- Não? Mas ele...

Não - Michiko se lembra - não, ele não fez nada, não houve tempo para mais nada acontecer. Tudo foi brusco demais: mal Virhe falou em morte, o chão sob eles deixou de existir. Aparece em sua mente flashes, imagens dela e dos outros sendo jogados aos céus, junto com o asfalto, calçadas, muros, casas, carros, árvores... e da escuridão absoluta que tomou tudo no fim.

As esferas de energia se apagam junto com o abrandamento de seu humor.

- O que aconteceu - Virhe retoma a fala - é que um leviatã surgiu debaixo da solo e engoliu você, eu, seu amigo e um pedação da vizinhança. Mal tive tempo de conjurar uma proteção para todos nós e a capivarinha ali manteve a magia de isolamento até acreditar que estávamos longe o suficiente. Então, desmaiou exausto, creio eu.

- "Longe"?

- Se ele calculou errado, teu mundo agora tem uma cidade a menos.

Ele fala bem sério, ela leva a sério, mas seus sentimentos se recusam a processar as implicações de algo tão absurdo.

Na verdade, mesmo, do fundo do coraçãozinho, já tinha desistido de tentar entender tudo aquilo, o que queria *mesmo* era voltar pra casa e dormir até domingo - não que a mãe dela deixasse.

Se a casa dela ainda estiver lá.

Ou o quarteirão.

Michiko chacoalha a cabeça para parar de se perder em "se" e volta para o mundo aqui e agora. Por mais absurdo que aqui e agora sejam.

- Tá, tá, e você salvou todo mundo?

- Quando vi que estávamos a caminho do meio da barriga de um monstro, estava ciente que não teria forças para sair de lá. Mas sabia quem tem energia pra isso.

- Eu, né...

- É. E tem de sobra. Só não tem conhecimento.

- Coração Ígneo...?

- Leviatãs - a pedra informa - são seres descomunais que se alimentam de magia dispersa no ambiente. Não são seres frequentes e os registros dizem que à medida que ganham anos, também ganham tamanho e resistência à ataques de todo tipo.

- Ele devia estar por perto quando farejou o campo de seu amigo ali, que era imenso e foi mantido por horas a fio. Abocanhou tudo com a gente dentro sem pensar duas vezes. Acho que eu faria o mesmo...

- Tá... e como a gente sai daqui então?

- Tão rápido? Achei que ia tentar sair por si só, falhar e então pedir ajuda...

Se ele não tivesse dito isso, ela não perceberia o próprio desespero de confiar em quem a tentou enganar e brigou duas vezes no mesmo dia. Por quase um minuto tentou se acalmar e apelar pra razão, para logo admitir não saber nem por onde procurar uma saída.

"Coração Ígneo, você me ouve?", pensa.

"Sim, Mestra". A pedra pulsa a cada palavra em sua mente, mas se mantém silenciosa.

"O que a gente faz?"


Michiko já fazia com perfeição esferas protetoras e sem esforço envolveu ela e os dois pequenos falantes. Pelo jeito, Poika não participaria de nada até tudo acabar. Em seguida, vinha a parte que era um salto no escuro - só que já estava suspensa no ar, e no escuro - que consistia em Virhe preparar sua própria magia e pedir a Coração Ígneo que o auxiliasse intermediando a força mágica bruta.

Assim como muita coisa neste dia louco, também estava se acostumando com a ideia de que era uma espécie de pilha gigantesca ambulante.

= Do tamanho de um chaveirinho - as vozes de Alice e Suzana aparecem em sua mente, e ela sorri. Nem um dia sem vê-las e sentia saudades, daquela de quem tem medo de nunca mais as rever.

O circuito era simples: Michiko doa mágica através de Coração Ígneo, que repassa à Virhe, que materializa diversos círculos mágicos e outras figuras geométricos em torno de todos. Como estavam dentro de uma fera que se alimentava de magia, o pequeno mago tinha de ser rápido e então, pequenas luzes aparecem ao mesmo que a neblina dissipa.

- Pronto, estamos do lado de fora, ele diz.

- Fora, onde... ai meu Deus!! Michiko exclama ao perceber que os pequenos pontos luminosos eram as estrelas do céu limpo, e que uma forte luz prateada vinha de sua esquerda: era a Lua, cheia, dezenas de vezes maior do que já vira.


Estavam todos no espaço.

"Eu devia ter suspeitado"



[continua...]





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